quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

De pessoa para Pessoa; uma conversa que tive com O Fingidor.

Descrevo um diálogo que tive com Fernando Pessoa. 

Eu estava imerso em alguma dimensão desconhecida, enquanto lia alguns de seus versos. Comecei perguntando:

- Fala aí Fernando, como é que vai o Mistério do mundo?

- Ah, que essencialidade de mistério e sentidos parvos.

- Que diabos é isso? Não entendo nada de coisas ditas nas entrelinhas. Gosto de ir direto ao ponto.

- Se ao menos eu por fora fosse tão interessante como sou por dentro.

- Não me venha agora com essa de se auto-depreciar. Você até que era simpático.

- As vezes tenho ideias felizes.

- Não sei se concordo tanto assim com isso. Sempre te achei um pouco melancólico. Se era feliz, deveria estar oculto em algum símbolo secreto seu.

- Símbolos? Estou farto de símbolos.

- Calma, só quiz ser sincero.

- Mas dizem-me que tudo é símbolo.

- Para mim também, o tempo todo. No entanto, convenhamos, você escreve muito hermético as vezes.

- Não sei. Falta-me um sentido, um tato para vida. Para o amor, para glória...

- Nada disso. Você escrevia tudo que sentia com toda genialidade e honestidade, tudo que, na minha opinião um escritor deve ter. Preferia sentir ao invés de pensar no mundo e nas coisas que há nele.

Passeou por vários caminhos da vida experimentando diversas vertentes: astrologia, ocultismo, sexualidades.

Quanto ao amor, pelo que sei, amou apenas uma mulher em toda sua vida. Pelo menso é o que consta nas cartas que trocavam entre si.

- Não: devagar. Devagar, porque não sei onde quero ir.

- Desafio alguém no mundo que realmente saiba. O que temos é, no máximo, uma falsa convicção de nossos desejos. Certeza mesmo, só Deus e quem sabe.

- Deus? Nojo.

- Esqueci-me desse seu desprendimento de crenças. Sobretudo as do catolicismo. Mas afinal, em quê ou quem você acredita?

- Eu, eu mesmo. Eu cheio de todos cansaços quanto o mundo pode dar. Eu...

- Você tem o apelido de O Fingidor, por ter criado vários personagens, os chamados (e inventados por ti) Heterônimos. Você não se cansa de ser tantos?

- Não, não é cansaço, é uma quantidade de desilusão.

- Nossa, deve ter sido uma superlotação de ilusões.

- Não tenho amigos. Todos os meus conhecidos tem sido campeões em tudo.

- Estou ficando cansado, vou embora.

- Volta amanhã, realidade, basta por hoje!

- Está bem, fico.

- Mas tenho que arrumar a mala.

- Vai viajar? Para onde?

- No mar, no mar, no mar.

- Quer dizer de navio?

De repente, nossa conversa se interrompe, quando ao longe escutamos: Eh Iahô-Iahîo IaHo-Ia háháhááá.

Fernando vira-se para mim e pede:

- Quero ir convosco, quero ir convosco.

- Bem que eu gostaria, mas não será possível. Cada um tem sua missão, você cumpriu a sua e eu estou engatinhando para cumprir a minha.

- Nunca conheci quem tivesse levado porrada.

- De pessoa para Pessoa, agora conhece. Eu levaria muito mais, só para poder ir além, muito além do oriente e do pensamento.

- O poeta é um fingidor, finge tão completamente.

- Eu também caro amigo. Vá, boa viagem. Já é chegada a hora de partir, pois já lhe rendi muitas odes, agora tenho que dar atenção as minhas.


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