Descrevo um diálogo que tive com Fernando Pessoa.
Eu estava
imerso em alguma dimensão desconhecida, enquanto lia alguns de seus versos.
Comecei perguntando:
- Fala
aí Fernando, como é que vai o Mistério do mundo?
- Ah, que essencialidade de mistério e sentidos parvos.
- Que
diabos é isso? Não entendo nada de coisas ditas nas entrelinhas. Gosto de ir
direto ao ponto.
- Se ao menos eu por fora fosse tão interessante como sou por
dentro.
- Não
me venha agora com essa de se auto-depreciar. Você até que era simpático.
- As vezes tenho ideias felizes.
- Não
sei se concordo tanto assim com isso. Sempre te achei um pouco melancólico. Se
era feliz, deveria estar oculto em algum símbolo secreto seu.
- Símbolos? Estou farto de símbolos.
- Calma,
só quiz ser sincero.
- Mas dizem-me que tudo é símbolo.
- Para
mim também, o tempo todo. No entanto, convenhamos, você escreve muito
hermético as vezes.
- Não sei. Falta-me um sentido, um tato para vida. Para o amor,
para glória...
- Nada
disso. Você escrevia tudo que sentia com toda genialidade e
honestidade, tudo que, na minha opinião um escritor deve ter.
Preferia sentir ao invés de pensar no mundo e nas coisas que há nele.
Passeou
por vários caminhos da vida experimentando diversas vertentes: astrologia,
ocultismo, sexualidades.
Quanto ao amor, pelo que sei, amou apenas uma mulher
em toda sua vida. Pelo menso é o que consta nas cartas que trocavam entre si.
- Não:
devagar. Devagar, porque não sei onde quero ir.
- Desafio alguém no
mundo que realmente saiba. O que temos é, no máximo, uma falsa convicção de
nossos desejos. Certeza mesmo, só Deus e quem sabe.
- Deus? Nojo.
- Esqueci-me
desse seu desprendimento de crenças. Sobretudo as do catolicismo. Mas afinal,
em quê ou quem você acredita?
- Eu, eu mesmo. Eu cheio de todos cansaços quanto o mundo pode dar.
Eu...
- Você
tem o apelido de O Fingidor, por ter criado vários personagens, os
chamados (e inventados por ti) Heterônimos. Você não se cansa de ser tantos?
- Não, não é cansaço, é uma quantidade de desilusão.
- Nossa,
deve ter sido uma superlotação de ilusões.
- Não tenho amigos. Todos os meus conhecidos tem sido campeões em
tudo.
- Estou
ficando cansado, vou embora.
- Volta amanhã, realidade, basta por hoje!
- Está
bem, fico.
- Mas tenho que arrumar a mala.
- Vai
viajar? Para onde?
- No mar, no mar, no mar.
- Quer
dizer de navio?
De repente, nossa conversa se interrompe, quando ao longe
escutamos: Eh Iahô-Iahîo IaHo-Ia háháhááá.
Fernando
vira-se para mim e pede:
- Quero ir convosco, quero ir convosco.
- Bem
que eu gostaria, mas não será possível. Cada um tem sua missão, você
cumpriu a sua e eu estou engatinhando para cumprir a minha.
- Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
- De
pessoa para Pessoa, agora conhece. Eu levaria muito mais, só para poder ir
além, muito além do oriente e do pensamento.
- O poeta é um fingidor, finge tão completamente.
- Eu também caro
amigo. Vá, boa viagem. Já é chegada a hora de partir, pois já lhe rendi muitas
odes, agora tenho que dar atenção as minhas.
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