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domingo, 28 de julho de 2019

Na cidade, Borboleta e as flores no concreto
A paisagem se constrói. Os prédios gastos pelo tempo se fundem ao horizonte cinza do centro de São Paulo. 

LÁ DE CIMA, NO TOPO, veem-se as formigas transeuntes, entretidas na falta de tempo e na pressa que sempre os movem. Carros, motos e ônibus lotados completam a paisagem da metrópole.

As buzinas e palavrões proferidos pelos motoristas é uma sinfonia do cotidiano que me conecta com essa querida e ao mesmo tempo odiada cidade.

Meus olhos procuram algo para se distrair em meio a tanto obvio anulante. Mendigos podres, meninos baforando cola, um escândalo ignorado de outra vítima de assalto. Tudo isso, apesar de absurdo, é tão normal quanto viver e saber que vais morrer.

Estou parado na calçada, esperando o farol abrir. Nas minhas costas, a Praça da República, palco de protestos de professores, reduto de mais desgraçados da realidade urbana e pouso para pombos.

À minha frente o paredão de edifícios degradados e a Sete de Abril como se fosse um Grand canyon de Concreto, que se estende sinuoso com o rastro uma grande serpente.


"É um cavalo listrado", penso. Era o que eu, quando criança imaginava quando via esse exótico animal da Savana Africana, que agora pasta na selva de pedra.


Ao meu lado, transeuntes que aguardam os cinquenta segundos febris do sinal abrir. Do outro lado as pessoas do mesmo jeito. Servem como um espelho que reflete o lugar que estou. Os segundos passam, e nada de surpreendente acontece.

Porém reparo em algo, que só depois percebo ser como uma borboleta num lixão. Na lateral de um dos prédios a minha esquerda, vejo um desenho de uma Zebra. Já a tinha visto antes, mas era como se não a reparasse como agora; era apenas uma imagem sem valor aos olhos fatigados de um mais um paulistano.

"É um cavalo listrado", penso. Era o que eu, quando criança imaginava quando via esse exótico animal da Savana Africana, que agora pasta na selva de pedra. Enquanto contemplo, noto ao meu lado uma mãe segurando um pixotinho.

Uma jovem mulher, que toda hora olha para o relógio e balbucia algo como um “tisk”; sinal de que está com pressa para um compromisso que poderia, devido à demora do farol abrir, chegar atrasada.

A criança em seu colo, inquieto, apontava na direção em que eu enxergava a Zebra. “Será que ela está apontando para ela", pergunto-me. Antes de fazer qualquer conjectura, a criança diz singelamente e inocentemente, assim como fazem a maioria das crianças de sua idade: "mãe, cavalo”. Neste instante, sinto meu coração se abrir, como um poeta que descobre o verso perfeito para terminar sua poesia; neste caso essa crônica.


As asperezas da selva, com o tempo, depois de adulto, cegam nossos gostos doces e nos enchem de dissabores e ilusão.


O pequenino não só notou a Zebra, mas também a viu como um cavalo listrado, a pesar de só ter dito Cavalo. A mãe disse um "Quê Foi menino!" num tom de repreensão. O garoto insistiu em tentar mostrar a mãe sua descoberta, ela por sua vez ajeitou-o no colo, mais para aquietá-lo do que para mudar de posição. O garoto ficou virado na minha direção.

Eu agora via o garoto. Seu olhar era como de uma mariposa descoordenada, que voa sem destino, procurando na paisagem, agora à sua direita, algo que pudesse contemplar. Até que seus olhos pousam na direção do meu semblante. Fito-o com um olhar de ternura.

O pequenino retribui sorrindo. Aponto com os olhos na direção da zebra, e digo num tom bem baixo, mas de maneira que ele pudesse ler meus lábios: “É uma Zebra”. Imaginei que o garoto não iria entender, no entanto surpreendo-me ao ouvi-lo pronunciar: “Cavalo”.

O sinal abre e todos atravessam. Tentei seguir os olhos do menino, que também seguiam os meus. Perdemo-nos na multidão que se entrecruzou com a massa de gente que vinha do outro lado. O garoto se foi e eu segui meu rumo. Parei adiante numa lanchonete, e tomando um café, pensei no pequenino. Da sorte grande que ele ainda tem por ser criança, e poder se encantar com o mundo contemplando a cidade com fantasia em qualquer canto que veja.

As asperezas da selva, com o tempo, depois de adulto, cegam nossos gostos doces e nos enchem de dissabores e ilusão.

Espero que quando cresça, aquele garoto saiba preservar essa doçura. Compartilho a cada gole do café o breve momento que voltei a ser pequenino e construir uma paisagem menos áspera e mais colorida para cidade e sua Selva de concreto; fui uma borboleta, que em sua curta existência, procura a beleza da vida mesmo nas flores que nascem nas fendas do concreto.



Manay Deô | Heterônimo Poeta Publicitário Sou #poeta, brinco com #palavras e inventor #palavrários como #redator de #poesiapublicitaria e Soul #Heterônimo criativo e #artista - > 📬 manaydeo@gmail.com

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