quarta-feira, 25 de junho de 2025

Exageros


Exageros
Elídio Santos / Manay Deô

Lotado de mim, só me resta ser eu.
Sem exceções, processado o sumo
Espremido dos repertórios.

Sozinho, sem poder apanhar com olhar
Se quer um tombo dos livros da minha estante,
Quem sou? Quem posso? Quem inspiro?

O que me descubro a cada esquina do desconhecido,
A cada detalhe do meu cotidiano desprezado,
Que quando percebo, me assombro:

lá estou eu, estranhado.

Emaranhado em medos, refúgios, desculpas
Procrastinação, faço a conta:

Quantas mantas eu teceria com os carreteis desperdiçados?
Invernos inteiros tremendo de covardia.

Passado é temer significados.
Futuro é... onde fui parar quando não estou vivendo o presente?

Algumas vezes é aqui, no agora,
que você poder ser tudo que pode ser.
Eu, excessos emaranhados,
temo encontrar equilíbrio.

Eu, sozinho, um estranho.
Eu, somado aos mEus,
A convecção diária dos ‘euxageros’.


quinta-feira, 19 de junho de 2025

Contradição



CONTRADIÇÃO
Elídio Santos / Manay Deô

I

Vem da memória a nossa história  
O que não tem preço, tanta emoção.  
Os meus segredos, a tua voz  
Todos os meus medos, os seus algozes.
  
Ausência e dor, ansiedade.
Sozinho de tanta saudade.  

Mesmo no breu da distância.
Te encontro na minha esperança.
Te encontro na minha esperança.

II


Enquanto é noite, vem o pesar.
Amor e fúria, contradição.
Minha estranheza, a tua luz.
Todos os meus erros, a nossa sorte.

Mesmo faltando, ainda faz parte.
O tempo diz todas as verdades.
Mesmo contando os meus erros.

É tempo para não ser tarde.
É tempo para não ser tarde.

III

Não há desculpa, esqueça as culpas.
Naquela vida é estar em vida.
Olhar pra frente todas as feridas —
Quem se curou?

A vida é breve / E tudo vale.
Vivências / E tantas verdades.
Mesmo os mistérios diversos.

Te levo nas  felicidades.
Te levo nas  felicidades.



Em “Contradição”, Elídio Santos — com seu heterônimo Manay Deô — tece uma tapeçaria de afetos que tensiona memória e futuro num jogo de luz e sombra próprio da poesia contemporânea. O texto, composto em três segmentos quase dramáticos, adota versos livres de cadência melodiosa, sugerindo uma canção interna que sobrevive mesmo quando a voz poética confessa ausência, dor e ansiedade.

A musicalidade embutida no ritmo anafórico (“Te encontro na minha esperança”) provoca um efeito de refrão, revelando diálogo orgânico entre letra de música e poema lírico — um híbrido que ecoa a tradição da canção moderna brasileira e, simultaneamente, as investigações pós-líricas da poesia performática atual.

Do ponto de vista semântico, destaca-se o campo lexical de “tempo”, “verdade” e “culpa”, que estrutura um percurso existencialista. As imagens poéticas mobilizam antíteses — amor/fúria, breu/luz, presença/falta — convertendo a contradição em eixo de sentido e motor dramático.

Esse procedimento reforça a atmosfera de dualidade dialética, remetendo a poéticas de Paul Celan ou de Adélia Prado, nas quais a linguagem se dobra sobre si mesma para revelar fendas ontológicas. A polissemia de “Quem se curou?” funciona como pergunta retórica que instaura metapoética: a cura talvez seja o próprio ato de nomear o irreparável.

Notam-se recursos de sinestesia (“breu da distância”), personificação (“medos, algozes”) e metáfora afetiva que transfigura experiência subjetiva em paisagem sonora. O enjambement discreto entre versos garante fluidez, enquanto a ausência de pontuação rígida amplia o espaço de respiro, permitindo ao leitor preencher lacunas com sua interioridade. Esse convite participativo alinha-se às tendências da literatura interativa, em que a obra se completa na recepção.

A estrutura triádica evoca o arco narrativo de jornada: lembrança inicial, tensão noturna, epifania redentora. Tal conformação sugere proximidade com o mito do retorno, caro ao simbolismo, mas reinterpretado sob estética minimalista. A recorrência de paralelismos cria coesão sonora e reforça a ideia de ciclo, convertendo o poema em rito de passagem, onde o eu lírico transita da culpa para a aceitação, da noite para a aurora.

Em síntese, “Contradição” articula lirismo confessional, crítica existencial e musicalidade pop-poética, reafirmando o poder da palavra como espaço de cura e encontro. É peça sensível que dialoga com tradição e vanguarda, oferecendo ao leitor — e ao ouvinte — uma experiência estética de simultânea ferida e sutura, onde a poesia assume pleno estatuto de resistência emocional.

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Bora Bill


São Paulo. Estação da luz. Portas se abrem. Desembarque corrido.
Funil de escada rolante e degraus de cimento queimado.

A descida termina.
A procissão de mar de gente começa.
Oração silenciosa pra quem tá de fone.

Caminho cheio, lotado, 'comGentesonado', rumo o destino às outras linhas
Colorido aqui é só informativo. Movimento monótono. Tédio cinza.

Gente filmando a multidão.
Passos lentos. Acordamos todos cedo.
Cada um na sua luta.

Foi o poeta que disse: -Deus é todo mundo sorrindo ao mesmo tempo.


Todos tão juntos e tão distantes em corpos a milímetros de distancia.

O que aqui nos une?
Absorvido nisso, tenho minha abstração quebrada quando...

BORA BIL!!!

Alguém grita num canto da multidão...

Bora Fio do BIlll!!!

Risos quebram a sisuda rotina.
O que aqui nos une?

Foi o poeta que disse:
- Deus é todo mundo sorrindo ao mesmo tempo.

Somos todos Severino nesse momento.




terça-feira, 1 de setembro de 2020

Manifesto pelo movimento: Profissionais de Educação Física

Manifesto pelo movimento: Profissionais de Educação Física - Imagem @FreePic

Homenagem a quem ajuda fazer os movimentos dos corpos acontecerem

O movimento
da educação física
ganha força,

fica flexível, bem alongado
bem coordenado,
motora mente falando,
enquanto:

se move, corre, caminha, pedala, pula, brinca,
se estica, dança, sua, nada, relaxa…

O movimento se torna bem estar,
físico e mental,
com qualidade de vida;

dinâmica que torna
possível educar:

O corpo,
a mente,
o espírito.

O movimento
é fisicamente
acolhedor e mexe
democraticamente
com todos,
para todos biotipos
e gêneros de corpos
poderem praticar:

gordo, magro, baixo, alto,
homens, mulheres,
jovens, idosos…

No pain, no gain;
a educação física
queima calorias
preconceitos.

O movimento não se conforma,
e convida a sociedade toda
a ser o levante contra
a imobilidade das zonas de conforto,
da vida moderna,
confrontando
o alto preço do sedentarismo
com a promoção da saúde
por meio da mensagem do
movimento da atividade física.

Faça chuva, faça sol,
no frio ou no calor,
faça parte desse movimento.

A energia desse movimento
transforma o conhecimento
dessa física em ciência:

na academia, laboratório,
dentro e fora da escola,
em cima e embaixo do pódio, 
faz vitórias acontecerem,
nas pistas, nos campos, nos tatames,
nas quadras, nas praças, em casa,
em cada metro quadrado
em todos espaços fitness;

o movimento traz
conquistas muito mais
que só no esporte,
muito além dos treinos
e dos tubos de ensaios.

O movimento torna
a educação física em literatura,
em artigos científicos,
em pesquisas,
livros e nas fichas de objetivos
alcançados dos que praticam
exercícios físicos.

O movimento físico é vivo.
O movimento é humanamente possível
por causa do envolvimento de todos os
Profissionais de Educação Física.


sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Amnésia

Sobre Esquecimento e a formatação neural para sobrevivência da memória em tempos de lembranças turvas e trevas.

Dias desses,
que quase nem me lembro,
me peguei apegado
ao passado
que me parece,

agora,
quase
apagado .

No brilho da
brasa desse
instante,
que já é quase antiguidade,
bem no limiar da chama
que se extingue,
divaguei:

Faz um tempo,
nem tanto tempo assim,
que o tempo
faz um tempão.

Ontem, uma década.
Hoje, um amanhã
que demora eternidades.

Dias desses
só me salvo
quando falha
a memória:

- Esqueço, logo, resisto.

Minha memória
declarativa,
pede explícito
socorro:

delete esses
tempos turvos,
ou esqueça
lembrar
suas saudades.
Suplico em nome
das minhas lembranças:

Não me faça ser apenas
quem segue procedimentos,
quero armazenar
meus melhores momentos
em memoriais de recordações vivas.

Quero até que
minha memória implícita
seja consciente,
e não só os gestos
comportamentais
de sobrevivência,
automatizados
pela forma confortável
da monotonia
de dias de mortes
normalizadas.

Os momentos que nem sei, ficam perdidos em algum lugar que um dia me lembrarei.

As horas que me percebo,
parecem um tiro na raia
da corrida pela vida.
Corro pelas linhas
de sinapses nervosas,
para me queimar menos

dessa cruel realidade;
voar é estar doente dos pés.

Não sei lidar
com o preço
do peso
de tanto pesares:

para milhões
de pessoas,
apenas a pena
da vida perdida.

Mais nada.

o lado do abismo
lotado de lucros
e mais lucros,
ao custo
de tantas vidas


Para os tantos
desses poucos,
mais, e mais,
e muito mais.
sempre muito mais
que as mãos dos muitos
que nada tem,

conseguem suportar.

 

Os momentos que nem sei,
ficam perdidos em algum lugar

que um dia me lembrarei:
 
- eu vivi mesmo
este momento?
 
Todos os dias parecem iguais.
Brincaram outro dia:

- agora as semana 
tem três dias,
e se chamam

o ontem
o hoje
o amanhã
 
As horas,
são o que a janela da cozinha
me mostrar:

é dia?
é noite?
começo?
término?
vivo?
morro?
alucino!!!

Dia desses
que termina onde começo
a lembrar
se foi eu quem escrevi:

- ainda estou
o poeta
que me sou?

Dias desses,
quase
nem me lembro.



quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Quintal da vida

Quintal da Vida - Imagem @freepik
O que cativas no seu cultivo da vida?
Eu cultivo a vida
com as sementes dos
sentimentos
que me fazem
avançar.

Tem dias que cultivo

pequenos ódios,
para que eu nunca deixe
de me indignar com
as injustiças que haverão
no caminho.

São espinhos de ódio
que vivo podando
para que nunca me tomem,
mas mantenho eles ali, bem de canto,
onde meu olhar ainda alcança,
para que de vez em quando,
me espetem para me manter
atento e forte.

São esses esporos que me despertam,
para que eu me movimente em direção
a fazer parte do coletivo que avança pela vida.

Unidos, fazendo com que o trabalho por um mundo melhor,
seja sempre o nosso melhor esforço conjunto.

Indignados, sempre agimos. Acomodados, os espinhos vencerão. 

Tem dias que sou regado
pelo sereno acumulado
nas mudas da esperança,
a flor do verbo esperançar,
conjugado no presente do futuro,
que faz minha carne e alma ser esperançosa,
sempre em movimento, sempre adiante,

Esperançadeira,

tramando o desabrochar da imaginação
das histórias que nos conectam ao coração
de grandes ideias transformadoras.

Esperança ativa,

projetando a viva voz dos direitos humanos em minhas palavras e ações.

A esperança nunca morre em quem se deixa viver a vida em pleno estado de abundante liberdade.

A flor teimosa da esperança,
que insiste nascer, mesmo
nas fendas do concreto, 
na construção do horizonte
de nossos melhores desejos
de um futuro criativo.

Eu cultivo um vaso de tristezas.
As ervas daninhas do mundo
são também o que nascem por aí.
E nem sempre o mundo está 
estará para agradar as nossas vistas.

O que cativas agora no seu cultivo da vida

pode ser o seu melhor presente possível para o futuro.

O você pode semear?

As sementes que tanto cuida neste momento,

serão as próximas potencias de vida
a inspirar as gerações que ainda vão nascer.

Qual legado deseja deixar
para que outros desfrutem?

Que as alegrias sejam passageiras,
mas que sempre possam voltar a florescer
em outros tantos dias do ano,
como os raios de sol que derretem o inverno
devolvendo nossos largos sorrisos,
e fazendo regressar em nosso rosto
as melhores curvas do nosso corpo.

O amor é o fruto que tento cuidar todo dia, pois, todo dia pode ser dia de cair em tentação.

Amo cultivar o amor.
Amo para tirar os inimigos do caminho,
Amo para abraçar amores e amigos,
Amo para um dia perdoar,
Amo para eu não ser minha própria perdição.


***



A colheita acabou por hoje.

Amanhã, será dia de semear.
A terra espera suas mãos à obra do mundo.

Quem é você
no quintal da vida?
Cuide-se como o jardins que és;
quero logo poder te visitar.

sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Escoliose

Deus escreve "serto" pela minha coluna torta, ou isso tá humanamente errado?
Es  
       coli      
    ose

Doi em mim
a loucura de ser mole.

a loucura de ser mole
para sentir os sentires
da minha tortuosidade
Tortuosidade falada
em cada vértebra
bagunçada do meu corpo,
do meu corpo social e ao meu redor.

o DNA misturado de parentes
cruzados com parentes
dá a minha escrita,
o peso total que carrego há quase
3 décadas de poesias nas costas.

a asas articulações
das frases que uso,
fazem rima com as asas
articulações moles do meus membros.
elas rimam.

rimam resultantes
da minha coluna torta.

ando escrevendo esquisito
aos olhos dos outros
ao meus olhos, eu só escrevo.

as escapulas soltas,
são parte da metamorfose
que falhou em me dar asas.

melhor que voar, é imaginar.
eu dano a cabeça atrofiada
de quem me vê
"atraversar"
a rua, dizendo:

quem está torto?
a rua,
o pedestre quem a olha,
ou os dois que estão
"atraversados"?

é, vai que o torto,
no olhar do poeta,
é o certo.



sábado, 8 de agosto de 2020

O que Frantz Fanon Me Ensinou

Frantz Fanon
A mascara branca do racismo caiu, então revide com sua pele negra
Diante do racismo
sobre meu corpo preto,

esperam sempre
a minha
paz pacífica.

Ordenam-me
que eu não reaja,
para assim,
me colocar 

separado do racista.

a lógica branca
determina assim
o maniqueísmo
violador da minha
legítima revolta:

O bom e mau
é definido
não por ter
de um lado o racista,
mas porque existe do outro lado
o "meu preto que
não reagiu ao racista".

O olhar branco
me atravessa
até no meu ódio.

Sou deslegitimado
a revidar
contra o opressor.







Uma publicação compartilhada por Gilmar (@cartunista_das_cavernas) em


O branco que se diz meu aliado,
este sim, está autorizado,
por ele próprio
a ficar imóvel,
feito platéia,
prá gravar,
prá assistir
sem fazer nada,
dar de sonso,
dizendo não estar
entendendo nada,
ficar com a cara pálida
assutado:

BUUU!
aqui quem bate
é o racismo.

Reaja.

Revidar racismo
não é violência.
É minha legítima defesa.

É fogo nos
racistas.